.....E assim o encontrei, profundamente humano, me olhando através das frestas que já começavam a abrir na muralha que sua dor desenhou.
Como uma borracha que passeia por um muro grafitado, desenhos vão surgindo, permitindo a entrada da luz que “apaga” as trevas da solidão.
Involuntariamente suas pupilas, há tanto dilatadas se comprimem. Aperta os olhos, tentando enxergar o que há muito sequer imaginava voltar a ver. E o que viu? Viu o mundo lá fora, em sua implacável rotina de gente circulando em calçadas e metrôs. A surpresa maior foi ver que nada parou, a não ser seu coração. Nem o SEU tempo parou, ele percebeu ao se olhar no espelho. O rosto branco, lívido, as olheiras roxas contornando o olhar doente. Roupa amassada, barba por fazer. Cabelos emaranhados de tanto receber as mãos engorduradas e freqüentemente salgadas pelas lágrimas, antes de secarem por completo.Na boca, o gosto de corpo pedindo por sobrevivência, falta de água, ar, alimento, sorriso.
Ele sabia!, desde o dia em que perdeu sua alma, castigou o corpo que agora estava frágil demais para reagir rápido, como sempre fora. Com calma e paciência começou a juntar seus cacos pela casa. Tomou um gole d’água. Telefonou ao disk pizza e assustou com o tom da própria voz. Tinha mudado, e vinha de dentro.
Jogou água no corpo todo e teve a sensação de um abraço quente que lhe varreu as dores e o fez respirar melhor. Fazer a barba lhe deu a sensação de vento gelando os poros e fazendo cócegas no rosto, ele quase sorriu...
Abriu bem os olhos quando olhou novamente para o mundo lá embaixo. Apartamento 86, tocou, e ele pode comer até sentir o estomago dilatar. Mas essa dor já não doía, aliviava.
Recortou um poema de Vinicius e colocou na moldura que outrora guardava o retrato de uma moça sorrindo feliz, abraçada ao seu amor. Essa foto já fora tantas vezes cortada, rasgada, amassada, queimada, como ele próprio também fora, mas a foto não sofreu: - Ela não sofreu, e de repente voltou a sentir o nó na garganta.
Ele sabia que não a tinha mais, porem, se sentia vivo, profundamente vivo.
Jogou fora o maço cheio de cigarros, vestiu sua camisa preferida e a bermuda, presente dela e saiu em busca do ar que lhe faltava. Lembrou de sua mãe e dos bons conselhos que passaria a usar. Aquele sorriso de canto de boca reapareceu e ele se embrenhou na multidão, porem, desta vez, enxergava o lado de fora.
Riqueza de detalhes no texto,.. mostra o valor de preciosos momentos de transformação que a correria não nos deixa ver...
ResponderExcluiresses textos dão uma aflção e fazem a gente refletir.gostei
ResponderExcluirAdorei o texto, alias adorei todos os que ja li nesse blog. Continuarei lendo :)
ResponderExcluirNossa
ResponderExcluirOs detalhes são impressionantes. Sério mesmo! Incrivel sua maneira de escrever!
Muito bom!
http://cerebro-musical.blogspot.com
o texto é muito bom.. ñ só esse mas os outros tbm .. parabens pelo blog...
ResponderExcluirtem selinhos pra ti no meu blog, e o livre pode pegar tbm!
ResponderExcluirhttp://lilyribeiro.blogspot.com/2009/10/selos_24.html